‘Meu nome é Jésse, tenho 30 anos. Sou de Fernandópolis – SP. Atualmente moro em Campinas. Nasci surda. Porém minha deficiência só foi descoberta aos 2 anos de idade. Um dia minha tia me chamou várias vezes e eu não respondi. Foi aí que ela começou ficar preocupada comigo e comentou com minha mãe que eu não estava ouvindo ela me chamar. E depois disso, minha tia e meus pais me levaram em muitos médicos em São Paulo para fazer vários exames. Foi um corre-corre atrás de médicos por um bom tempo até que descobriram que eu tinha deficiência neurossensorial bilateral profunda. E a partir daí comecei a usar aparelhos auditivos (AASI). Fiz fonoterapia até meus 18 anos de idade e tive que parar porque precisei trabalhar e fazer faculdade ao mesmo tempo. Sempre falei muito enrolado, o melhor exemplo disso era que às vezes nem mesmo meus pais me entendiam. Nesses casos, eu falava para meu irmão mais novo e ele repassava para meus pais. Pelo menos eu era uma sortuda, pois tinha um tradutor ali do meu lado. Outro exemplo era um clássico no meu cotidiano: Qual é o seu nome? Jésse! Jéssica?? Nãããão, Jésse. Ah Jéssica? Aí já não querendo mais insistir que meu nome não tem essa última sílaba, já respondo: Carol! Rsrsrs! Pelo menos fica mais fácil para algumas pessoas entenderem o nome correto (nem que seja o meu segundo nome).
Com medo de que eu não conseguisse falar, minha mãe não me deixava aprender língua de sinais. Eu sempre tirei o chapéu para minha mãe pois se não fosse ela, pode ser que talvez eu tivesse desistido de falar. Já até fiz curso básico de libras pois acho muito importante também saber essa língua, porém não necessito dela. Sou expert em leitura labial.
Na escola, havia vários momentos em que os professores escreviam as matérias na lousa e explicavam de costas para a turma. Quando isso acontecia tinha que pedir que os colegas explicassem para mim novamente. Além disso precisava pedir que os colegas emprestassem seus cadernos para que eu pudesse copiar aquilo que eles anotavam de explicações dos professores e as falas dos mesmos de costas. Dependência total da leitura labial.
Depois do ensino médio, fui para a faculdade. Me formei em fisioterapia, mas atualmente trabalho no banco, pois falta oportunidade para trabalhar na área em que estudei. Em dezembro de 2014 fui com minha mãe no otorrino para pegar o laudo médico de surdez e durante a consulta o mesmo me perguntou se eu tinha interesse de colocar o implante coclear. Como a minha ida foi apenas para conseguir mais um dos meus laudos, nem dei importância e nem me interessei pelo que o médico falou. Pensava que provavelmente isso não daria certo pra mim… e ainda teria que fazer cirurgia? Conclusão: não fui mais atrás disso.
Depois de um ano meu marido (que ficava pesquisando sobre o IC e eu nem sabia) me perguntou se eu não tinha interesse de saber mais sobre o implante coclear com o médico. Foi aí que comecei a pesquisar sobre o assunto e fui ao mesmo otorrino que falou comigo anteriormente. Então marquei consulta para conversar e tirar todas as dúvidas sobre o implante coclear. Chegando ao consultório, conversamos muito e acabei me interessando em fazer a cirurgia. Ele me encaminhou para a fono para avaliar o meu caso detalhadamente além de pedir os exames de imagem.
Neste intervalo tive o prazer de conhecer várias pessoas implantadas aqui em Campinas e de outros estados. Descobri uma grande família com a qual consegui tirar todas as dúvidas e compartilhar experiências, além de fazer amizades. A minha curiosidade e até um pouco de medo do IC já se transformavam em ansiedade e esperança por uma melhor qualidade de vida. Logo já estava decidida pois queria muito ter a possibilidade de melhorar minha audição com o IC.
Fiz todos os exames e ansiosamente retornei ao médico para saber a reposta: eu era candidata ao implante coclear!! A partir desse momento foi dado início ao processo super burocrático de aprovação do plano de saúde. Depois de quase 2 meses, finalmente marcaram o grande dia da minha cirurgia. Não estava aguentando mais de tanta ansiedade…
No dia 24/08 fiz a cirurgia no ouvido esquerdo. Escolhi a marca Advanced Bionics. Eu estava morrendo de medo, apesar de achar que ainda ia demorar muito quando faltava só uma semana, tamanha ansiedade para chegar logo o dia. A cirurgia correu bem graças a deus, sem dor, sem tonturas, praticamente não senti nada.
Estou muito bem. Muito feliz!!! Agora começa a expectativa com o tão sonhado dia da minha ativação que será no final do mês de setembro. Sei que a partir deste dia começará uma longa caminhada de adaptação e desenvolvimento, mas com certeza também iniciarão novidades para a minha vida. Que venham os novos sons!
Após a Ativação
No dia da ativação foi mais assustador do que eu imaginava. A experiência foi única e muito boa mas esperava pelo menos conseguir ouvir alguns ruídos. Mas na verdade apenas sentia o “choquinho” ao invés do som. Na verdade isso era o som, a questão é que meu cérebro não sabe que é som e por isso tenho essa percepção. O mais aguardado viria alguns dias depois da ativação. Os meus 5 primeiros sons com o IC não vou esquecer nunca: o barulho do garfo batendo no prato, a minha tosse, o cachorro da vizinha latindo, o barulho da porta de vidro do meu trabalho abrindo e fechando e o meu nome sendo falado em uma conversa que eu nem estava participando mas estava somente próxima. Recentemente fiz um novo mapeamento e somente aí percebi o quanto minha fono tinha deixado o som bem baixinho – eu mesma ficava pedindo a ela pra baixar. Neste mesmo dia já tive uma experiência maravilhosa: minha fono escreveu quatro vogais e mais duas consoantes (X e S) em uma folha e me pediu que eu apontasse qual era a letra que ela estava falando. Consegui acertar a maior parte e ainda acertei a pegadinha. Durante o exercício ela soltou um “papapapa” que não estava escrito no papel e consegui identificar. Nunca pensei que fosse consegui identificar grande parte dos sons que ela falou mesmo sendo apenas letras por enquanto. Além disso, consegui ouvir a voz dela e a minha também com mais clareza.’
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