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Deficiência auditiva unilateral (surdez unilateral): o que devemos fazer

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surdez-unilateral

 

Fonte: Portal Otorrino

INTRODUÇÃO

Se você procurar no Google sobre surdez unilateral, certamente encontrará um sem-número de links polêmicos de decisões e questionamento judiciais sobre se essa condição deve ou não ser considerada uma deficiência para fins de concursos públicos. Também vai encontrar os problemas que alguns tiveram ao se virem eliminados de processos de seleção por serem considerados inaptos. São questões que merecem debate e melhor regulamentação. Entretanto, sendo o Otoblog do Portal Otorrino um espaço dedicado a informações médicas, o intuito desse artigo é fornecer informações atualizadas sobre as causas, consequências e possibilidades de tratamento da surdez unilateral.

DEFINIÇÃO

Qualquer  grau de perda auditiva é tecnicamente classificado por nós como surdez. Entretanto nesse texto trataremos das pessoas que possuem perda completa da audição em um dos ouvidos e audição normal do outro lado.  Assim, surdez unilateral (single side deafness em inglês, ou SSD)  é o termo que costumamos usar para designar esse grupo de pessoas.

CAUSAS

Embora algumas das causas de surdez unilateral sejam as mesmas que podem causa-la de forma bilateral, algumas doenças específicas afetam com mais frequência a audição em apenas um dos lados.

  • Schwanoma (ou neurinoma) do nervo acústico

O nervo vestibulococlear (VIII par craniano) é responsável por conduzir os impulsos elétricos, produzidos pela cóclea, até o tronco cerebral. Como outros nervos, ele possui uma capa – que chamamos de bainha – composta de uma proteína chamada mielina. Schwanomas do acústico são os tumores originários dessa bainha e um dos seus principais sintomas é a perda auditiva progressiva, decorrente do lento crescimento tumoral, com consequente compressão do nervo e interrupção dos impulsos elétricos que por ele trafegam. Em alguns pacientes portadores desse tumor, a surdez unilateral pode ser causada ou agravada pela cirurgia para extirpa-lo.

A perda súbita da audição de um dos ouvidos, acompanhada ou não de zumbidos e tonteira, pode estar relacionada à diversas origens e é uma das causas mais comuns de surdez unilateral. Para maiores informações, leia aqui.

  • Surdez congênita

Mutações  genéticas e doenças infecciosas podem fazer com que bebê apresentem surdez unilateral ao nascimento. Na maioria das vezes o desenvolvimento de linguagem se dá de maneira normal ou com o mínimo de atraso em relação às crianças com audição bilateral.

A hidropsia endolinfática, mas conhecida como Síndrome de Ménière pode causar surdez dos dois lados, mas num grande número de vezes ela é responsável por surdez unilateral.

  • Traumatismo

Acidentes automobilísticos, agressões e ferimentos por armas estão entre causas externas de lesão da cóclea ou do nervo acústico que podem levar à surdez unilateral.

  • Causa desconhecida

Num grande número de vezes não conseguimos detectar a origem da surdez, seja unilateral ou bilateral.

CONSEQUÊNCIAS

A surdez unilateral pode passar desapercebida e aparentemente não causar grande desconforto para muitos pacientes. Não é raro encontrarmos pessoas que, tendo nascido com audição em apenas um dos ouvidos, vieram a descobrir isso apenas bem mais tarde. Posso me recordar agora de uma criança de 10 anos que atendi há vários anos, para quem a mãe um belo dia segurou o telefone em um dos seus ouvidos e disse “fale aqui com teu avô”. Ele após alguns segundos respondeu, “tudo bem mãe, mas tem que ser no outro ouvido pois nesse eu não consigo”. Como sua audição sempre foi assim, e tendo a criança aprendido a falar normalmente, sido capaz de conversar com todos, nunca houve a suspeita, dela e dos pais, de nada errado comia audição. Essa boa adaptação à surdez unilateral já não costuma acontecer nos pacientes que sempre ouviram bem dos dois lados e perdem um dos lados, como nos casos de surdez súbita ou tumores do nervo auditivo.

Independente da causa da surdez unilateral, hoje temos disponíveis diversos estudos evidenciando os prejuízos dessa condição. São eles:

  • Localização da fonte sonora

Nosso cérebro usa os dois ouvidos para identificar de onde vêm os sons. Imagine-se de olhos fechados num salão, alguém do teu lado esquerdo fala alguma coisa. Se você ouve com os dois ouvidos, não é muito difícil saber onde a pessoa está, certo? Sem nos darmos conta, nosso computador cerebral usa basicamente dois elementos nos informar isso, tudo de forma inconsciente. Primeiro a velocidade de chegada do som aos ouvidos e posteriormente à região onde ele é analisado no cérebro. No caso do exemplo dado, estando a pessoa do lado esquerdo, o som chegará mais rápido na orelha deste lado, já que para alcançar a outra ele precisará se refletir nas paredes opostas da sala e voltar ao ouvido direito, ou ao menos contornar a cabeça. Esse “atraso” do som do lado direito em relação ao esquerdo é a dica. Além desse cálculo, podemos imaginar que o som chegará mais forte (com maio volume) na orelha esquerda, já que ao navegar mais tempo pelo ambiente para chegar ao lado direito, alguma energia sonora é perdida. Essa segunda diferença na qualidade do som, fornece uma dica complementar ao nosso cérebro, tornando o trabalho dele mais fácil. No caso da surdez unilateral, ambos mecanismos estão ausentes.

  • Compreensão da fala em ambientes ruidosos

Estádios de futebol cheios, casas noturnas com música alta, restaurantes com muitas vozes e barulhos de pratos e talheres, são todos ambientes sonoros extremamente adversos para conversa ou compreensão da fala. Nem se fala para compreender outros idiomas que não seja o nosso de origem. Nessas circunstâncias, o processamento auditivo do nosso córtex cerebral se vale de cada informação útil na comunicação, como a leitura labial, os gestos e expressões corporais e principalmente a audição bilateral. Vários estudos mostram que, em ambientes ruidosos, pessoas com surdez unilateral tem um desempenho inferior aos ouvintes normais.

  • Dificuldade de ouvir em situações específicas

Para ouvir alguém numa mesa de bar ou restaurantes, na sala de cinema, em viagens de carro, ônibus e aviões e em cochichos e segredos ao pé do ouvido. Em todas essas e outras situações parecidas é fundamental que o interlocutor fale do lado certo, caso contrário, nada feito.

TRATAMENTO

No passado, antes da compreensão dos prejuízos decorrentes da surdez unilateral e do desenvolvimento de tecnologias para tratamento dessa condição, a conduta médica normal era simplesmente não tratar. “Você pode viver bem assim” era a frase mais comum.

Entretanto há cerca de uma década isso começou a mudar e hoje já não é mais aceitável que não falemos aos pacientes dos prejuízos da audição unilateral bem como das  possibilidades de tratamento. No mundo moderno, de múltiplos estímulos auditivos concomitantes, ter uma audição bilateral em ambientes como uma sala de aulas,  de reuniões ou numa mesa de restaurante com muitas pessoas, pode fazer muita diferença.

Abaixo enumero as possibilidades atuais e futuras para tratamento da surdez unilateral.

Tais opções podem diminuir muito ou quase eliminar algumas das dificuldades dos portadores da surdez unilateral.

  • Aparelho auditivo tipo CROSS

Normalmente, os aparelhos aparelhos de amplificação sonora individuais (AASI) são indicados para tratar a perda auditiva de um ouvido deficiente aumentando o volume e aplicando alguns filtros dos sons chegam até ele. Por essa característica compensatória, os AASI precisam que o parte interna dos ouvidos composta pela cóclea e pelo nervo acústico, ainda tenham alguma função. Quando essa estruturas estão muito danificadas, mesmo níveis altos de amplificação não são capazes de produzir um estímulo auditivo útil. O aparelho auditivo conhecido como CROSS parte desse princípio e seu funcionamento baseia-se na audição do ouvido bom, do lado oposto ao surdo. Para sua adaptação, o paciente deve usar dois aparelhos, um de cada lado. Aquele colocado do lado da surdez funciona como ou receptor, tendo um microfone e um transmissor sem fio, responsáveis por captar os sons que chegam deste lado e enviá-los ao aparelho adaptado do lado em que a pessoa ouve. Seu uso permite que que a pessoa não “perca” os sons que lhe chegam de um dos lados, facilitando a compreensão da fala nas diversas situações descritas por mim anteriormente nesse artigo.

  • Implante auditivo ancorado ao osso

Na última década vimos chegar ao Brasil implantes auditivos que são presos, ou parafusados aos ossos do crânio, atrás da orelha. Esses dispositivos foram inicialmente desenvolvidos para pessoas com malformações que afetam a estrada e a transmissão dos sons até à cóclea. Estando firmemente ancorados ao osso, de forma semelhante aos implantes dentários, eles são capazes de captar os sons e transmiti-los à cóclea através do osso do crânio. Essa propriedade permite que utilizemos esses implantes em pacientes com surdez unilateral, ancorando-os próximo ao ouvido sem audição. Uma vez ativados, eles são capazes de transmitir os sons pelo osso do crânios,  um lado ao outro, valendo-se da cóclea saudável para encaminhar ao cérebro os sons que vêm de todas as direções.

  • Aparelho intra-canal de estimulação óssea

Esse dispositivo funciona seguindo a mesma lógica e descrição dos implantes ancorados ao osso. Entretanto, eles são adaptados no interior do canal auditivo, como um aparelho auditivo do tipo intra-canal e não requerem cirurgia. São produzidos pela empresa americana TransEar e não estão disponíveis no Brasil.

O Implante coclear é um dispositivo eletrônico capaz de recuperar a função auditiva de uma cóclea muito danificada. Assim, sua aplicação na surdez unilateral, diferentemente das opções acima descritas, tem o potencial de devolver ao paciente a audição bilateral verdadeira, sem depender apenas do ouvido saudável. Inúmeros estudos recentes mostram que ele tem a capacidade de devolver ao paciente a noção origem da fonte sonora, o que não costuma ser possível com as opções anteriores. Entretanto, devido à maior complexidade do procedimento e seu alto custo, cirurgiões de muitos países, incluindo o Brasil e os EUA,  ainda tendem a não considerá-lo indicado para tratar a surdez unilateral.

Luciano Moreiraotorrinolaringologista especialista em surdez: www.portalotorrino.com.br

E mais…

 

dau

 

‘Após conhecer o blog Crônicas da Surdez, surgiu a ideia de contribuir com esse espaço. Escrever sobre deficiência auditiva não é uma tarefa, mas é um prazer, do mesmo modo que atender e ajudar indivíduos privados de som. Pensei então, escrever sobre uma deficiência pouco divulgada – a deficiência auditiva unilateral – DAU, que é um transtorno sensorial em somente um ouvido, mas que gera muitos problemas, mesmo tendo sido afirmado por muito tempo que não acarretava sérios prejuízos. Hoje, é comprovado que a DAU traz várias dificuldades, assim, não pode ser negligenciada, mas pouca atenção é direcionada, talvez porque ocorre o desenvolvimento da fala, compensado pelo ouvido sem dano auditivo.

As conseqüências da DAU apontadas pelos estudiosos referem-se à dificuldade em localizar de onde vem o som, detectar os sons baixos, entender a fala (principalmente em ambientes ruidosos), apresentar maior esforço para compreensão da fala e desatenção. Com isso há probabilidade de problemas cognitivos, emocionais, sociais e de comunicação. A DAU apresenta várias causas, sendo a caxumba muito comum. Os sintomas variam conforme a causa, sendo que o barulho no ouvido muito frequente. O indivíduo pode nascer com a DAU ou adquirir ao longo da vida e manifestar-se e modo temporário ou permanente.

Em minha experiência clinica percebi que a suspeita da DAU pode não coincidir com o momento da instalação, podendo ter um intervalo significativo, além disso, esta suspeita pode não ser do indivíduo, mas dos familiares entre outros. Então, resolvi realizar uma pesquisa para investigar o modo e o momento da ocorrência da suspeita da DAU, os sintomas associados e as providências tomadas. Os resultados foram surpreendentes! Um indivíduo soube DAU ao realizar exame admissional, outro com brincadeira de telefone sem fio e outro ao falar o telefone. O momento da suspeita mais comum é ao redor dos 5 anos de idade e o barulho no ouvido o sintoma que mais associado à DAU. Todos procuram ajuda, sendo o médico otorrinolaringologista o mais mencionado.

Muitas vezes, a DAU não é detectada nos primeiros anos e sim no período escolar, pois os alunos experenciaram dificuldades educacionais, como baixo rendimento nas atividades, problemas de leitura, soletração e aritmética, desmotivação para executar as tarefas acadêmicas e baixa auto-estima. Conseqüentemente, terão problemas de aprendizagem e de desempenho acadêmico. Assim, no âmbito escolar há evidências suficientes para os professores suspeitarem da presença nos escolares da DAU, por isso os mesmos devem ter conhecimento sobre as conseqüências e quais atitudes providenciar para melhorar o processo de aprendizagem e desempenho acadêmico.

Com relação ao tratamento da DAU, este irá depender do ouvido prejudicado e do grau de acometimento para a indicação de medicamentos, de cirurgia ou de utilização de aparelho auditivo.

Para ilustrar apresento o depoimento de um individuo ao ser questionado sobre os transtornos que A DAU lhe traz e sobre o uso de aparelho auditivo. “Minha dificuldade auditiva é em localizar o som e entender o professor quando há ruído, assim preciso sentar próximo a ele. Com o aparelho auditivo consigo entender melhor nesta situação”. É desta forma que podemos perceber o quanto a DAU prejudica o indivíduo e a necessidade do seu diagnóstico o mais cedo possível, para delinear a reabilitação auditiva, incluindo todas as orientações necessárias, diminuindo os prejuízos da deficiência auditiva unilateral.’

Jerusa Roberta Massola de Oliveira – fonoaudióloga do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo – Bauru – SP.

O post Deficiência auditiva unilateral (surdez unilateral): o que devemos fazer apareceu primeiro em Crônicas da Surdez.


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